a luz da tevê brilhava nas lentes dos óculos, já tão arranhadas que era quase impossível enxergar através delas.
"ruim com elas, tanto pior sem...", pensou. deu o trago derradeiro no último cigarro do maço, olhou pras paredes mofadas, como se pudesse lembrar da aparência que elas tiveram no passado (o que era impossível, afinal, havia chegado ali faziam 3 meses, e desde já elas eram como são).
levantou-se da poltrona, a tevê gritava algo sobre um acidente ou notícia trágica do gênero. caminhou em direção a cozinha, abriu a geladeira e pegou a última lata de cerveja da prateleira. abriu, deu um gole, lembrou da noite anterior. vagamente. era o que conseguia. sabia que tinha passado da conta, que passara a noite com alguém de quem não conseguia lembrar nem o rosto, nem o gosto do beijo. não havia mesmo feito diferença alguma. o sexo havia sido comum.
terminou a cerveja, ainda na cozinha. colocou a lata vazia em cima da pia, abriu o armário e pegou um ou dois biscoitos. caminhou até o quarto, com o último biscoito na boca. abriu o armário, que rangeu as portas, e procurou por uma camisa. escolheu a mais escura, num tom cinza, quase preto. jogou-a junto com a calça que já se encontrava na cama, e entrou pro banho.
esqueceu de levar a toalha. saiu, molhado, passou pelo corredor e encontrou uma pendurada na porta do quarto de hóspedes. nem se lembrava de existir aquele quarto ali. voltou ao banho, ainda interminado, a mente vagueou. começou a se masturbar, aproveitando a quentura do banho, foi se excitando sozinho. desistiu de gozar. àquela altura já não queria mais sentir prazer em nada. na verdade, perdeu o prazer nas coisas mais simples, nos pormenores mais banais. não queria estar ali. não queria ser quem era. não havia mais qualquer resquício de vontade dentro dele.
preferiu jogar o corpo em cima da cama e procurar abrigo no sono e na preguiça, algo que o deixava isento de qualquer compromisso com a vontade. ficava livre pra ser o que o tempo, a inércia e o ócio quisesse que fosse.
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